Destino perdido...

Destino perdido...

Já tinha tudo marcado e decidido antes da brutalidade pandémica e esta acabou por alterar todas as rotinas normais. Com os pássaros de ferro (aviões), obrigados a ficar em terra, transformou Ibiza, apenas numa miragem adiada. Mesmo com grades nas janelas, o zumbir apenas das moscas, as bocas vendadas, os relógios atrasados e mascarados pelo confinamento, sentia desejo de abrir portas às inseguranças perdidas.
O cérebro estava quase adormecido, desfalecido num buraco negro, pelos silêncios da alma, até a língua sentia áspera da falta de beijos deste ogre faminto.
Precisava de pedradas no charco, das braçadas no mar, do fato de mergulho, de ressuscitar felicidades e fechar os olhos ao fantasma do vírus.
Fiz-me à estrada na caravana da paz, com olhares distantes, os gritos das guitarras musicais na rádio, tudo ecos com estrondo no vazio da ressonância de vozes.
O céu sempre limpo, o sol escaldante, nos neurónios viajavam pensamentos escritos com a tinta mágica, recordações deste pescador de belezas, das pancadas amorosas, das bebedeiras passadas, das barrigadas cheias pelas overdoses de sexo partilhadas nas muralhas do amor.
Afinal, tudo passado, a (a)normalidade é bem diferente, uma realidade frágil como desenhos de papel, embora a Praia da Rocha seja a mesma, belíssima como sempre, mas com novo e triste cenário. Poucos são os safaris corporais a desfilar, apenas caminhadas de baratas tontas pelos corredores marcados no chão, como se fossemos militares em marcha, distanciados e com medo de “sentar” na cadeira elétrica.
As noites adormecidas pelos receios, pelas trancas nas portas dos bares, dos restaurantes, sem jantares românticos, sem os desafios do glamour, sem as linguagens sedutoras para novas carícias sexuais pelo corpo.
Estradas asfaltadas pelo doce amargo sabor de outros anos atrás, das peles salgadas a esmiuçar beijos de tempos felizes.
Estiquei as pernas, nadei iluminado pelo sol nas águas ainda frias, senti os sorrisos da alma, os calores dos arrepios do desejo e vim a sonhar gestos de esperança de que as tocas dos coelhos humanos se abram para uma vida melhor, para a socialização do amor, neste período em que o destino parece perdido.

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