Fechados em casa...
17 de Janeiro, 2021
Entramos num escadório do tempo, sentados nos ponteiros dos relógios parados e os chicotes da ironia a castigar a toda a hora. Os gélidos decretos do confinamento, erguem novos muros na fronteira da felicidade e colocam um polícia em cada esquina.
Para algumas pessoas, são decisões polémicas, para outras falsas verdades, mas a realidade do vírus bate forte e os contágios são facas afiadas sempre a espetar.
Não existem ruídos perdidos, até a lua está silenciosa e o silêncio é tanto que ouço os mosquitos na Sé de Braga.
O sofá cansa, é como as dunas do deserto, que despertam sonos dormentes.
Pés descalços, aconchegado pelo calor das memórias, à janela, tento encantar a vizinha do prédio da frente.
Também ela tenta espantar espíritos, fechada em casa, parece um passarinho sem asas e só agora consigo entender o piar desesperado dos pássaros presos nas gaiolas.
Apenas trocamos palavras nos lábios pelos olhares, uns sorrisos de anedotas perdidas, páginas de prosas sem versos, como aventuras do nada.
Olhar para ela, dá comichão na pele, vontade de estourar fechaduras, desenterrar as asas de morcego e levá-la para destinos noturnos. Pela forma fixa como olha para mim, quem sabe também esteja a pensar ousadias, ou talvez seja simplesmente por ver-me descalço.
Redemoinhos de raciocínios, que alimentam borboletas no estômago e carregam os destroços da boémia.
Olho para mim, tento ver a nudez da alma, apenas vejo esqueletos esbatidos, lágrimas quentes no sorriso e sementes de ânsia.
Ao longe, continuamos na troca de olhares e acenos de beijos como se fossem migalhas estendidas para os pardais sem asas. Tudo ternuras sombrias, que criam dúvidas se as jaulas serão abertas para arrebentar emoções.
Na minha imaginação fantasiosa, vejo-a numa gaiola, sem penas, de olhar cândido, completamente despida a libertar perfumes impregnados de desejos por uma vida nova.
Os pensamentos tocam-se, as almas suspiram por baloiçar juntas e os corpos ambicionam trocar na pele o perfume alheio.
É só atravessar a rua, mas agora é uma linha vertiginosa, existe um fantasma mascarado de pandemia, por isso estamos novamente fechados em casa.
Respeita os direitos de autor.
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