Sonhos de menino...

Sonhos de menino...

Apenas mais um menino entre muitos que corriam no frenesim da cândida jovialidade. Todos iguais nas roupas, forma de vestir, na simplicidade e humildade de tempos difíceis da geração dos nossos pais. Corríamos, saltávamos, jogávamos à bola, fazíamos malabarismos nas bicicletas e nos carrinhos de rolamentos adaptados às maiores travessuras, sem proteções corporais.
Cópias uns dos outros, nos cortes de cabelo, na forma como parecíamos “marchar” em uníssono na clareza da educação que cada um trazia de casa. Tempos em que nada era diferente no dia seguinte.
Este catraio sentia-se desigual não na forma, na cor ou na beleza e muito menos na inteligência, apenas na diferenciação do feitio apaixonado como absorvia o imaterial até à sua ínfima essência.
Amava olhar o mar, fazer buracos na areia, sem portagens subterrâneas para os castelos, até serem invadidos e destruídos pelas ondas. Olhava o céu com espírito livre, voava ao lado das andorinhas sem fronteiras na liberdade e sem oprimir energias nem camuflar os sonhos que despertavam nele.
Tinha visões incandescentes em cada estrela e acreditava que o brilho delas eram deusas que acenavam e soprava as velas dos moinhos da sua alma. Perdia-se em pandemónios sonhadores, ilusões movidas pelos sussurros que ouvia das conversas no além, sobre o amor, tudo fantasias da ignorância.
Começou a colecionar paixões, a ouvir silêncios provocados pelas ereções, como um vilão dos palcos eróticos e abriu os portões dos devaneios para mergulhos vibrantes.
Era pintor sem repousar os pincéis, pintava festivais de línguas nos beijos até derreter salivas. Amante do mar, pescava sereias com o anzol das canções com palavras ardentes que remexiam as hormonas da euforia até às extremidades do seu ser. Fazia frágeis asas de papel e subia cordas na ilusão das imagens para chegar ao céu, sonhava ser um criador de identidades no paraíso e ser decorador de corações com mil cores.
Comovia-se de arrepios na emotividade diferente dos demais, até nos rubores do jeito como corava nas expressões dos olhares mais quentes das meninas. Sentia suores dentro dele, fluxos exoneráveis de desejos de sobrevivência, sem perder a serenidade dos raciocínios mais faiscantes.
Idealizava ser músico, em cada esquina, em cada lata, nas pedras, em cada corda e imitava melodias de poemas como verdadeiros safaris de desejos intrínsecos na imaginação de tatear a pele suave de uma bela mulher. Viciante cada sonho deste menino, cada vibração e emoção pelo fascínio da sensualidade feminina, chegava a transportar no bolso a lanterna das pecadoras.
Embalava elefantes até adormecerem, enquanto guardava na garagem os frascos com os perfumes feitos dos orgasmos das donzelas famintas e deixava-se adormecer com os rótulos dos cabelos perdidos na fronha. Ainda hoje recicla desejos sem fantasmas dos prazeres ao idolatrar cada traço do corpo mulheril desenhado pelo deus da perfeição, até romper o seu na arte de amar.
Admirador inebriado pela sensibilidade dos cinco sentidos, perfecionista na forma como alimenta a alma, faz das palavras a transparência da nudez do seu corpo, sem nunca deixar de ser este menino com sonhos.

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