Era menino...

Era menino...

Abro a butique do transcorrido sobre mim e aos poucos retomo a felicidade. Nela, guardo muitas memórias, embora algumas, já nem as sei enquadrar no espaço temporal. São sinais do percurso calcorreado e que quanto mais longo se torna, mais surge a expressão: eu sei lá.
Parece que foi ontem, na minha inocência, sentado no esplendor da vida, iluminado pelas cortinas dos sonhos. Estavam sempre abertas, espicaçadas pela pureza da meninice, até nos peluches com quem mantinha diálogos sustentados em dialetos de enternecimento. Trocava com eles olhares e abraços até cair no sono angelical. Tudo o que sentia, eram estímulos que enchiam, gota a gota, a minha índole, para futuramente fazer de mim o que sou hoje, um poço de energias contagiantes.
A ternura, os carinhos do tato materno, os ensinamentos de uma educação esmerada, são os espólios que ainda carrego diariamente na bagagem.
Dentro de mim, está lá tudo, os sorrisos, as aventuras, as marcas das desilusões, as euforias impulsivas, os amores e desamores. É esta mescla de emoções que mantém, ainda no presente, os sentidos despertos deste humano apaixonado pela vida.
As lembranças são capítulos que convivem comigo, elas descrevem toda a estrada iluminada na ligação entre a alma e o coração, quiçá possam servir para um futuro livro e leitura de próximas gerações.
É neste balançar do pêndulo das décadas vividas, que, sentado, fico admirar a serenata das estrelas brilhantes, tendo somente como testemunha a lua e deixo-me inspirar.
Cada um tem o seu refúgio lírico, não sou único, mas sinto que a minha sensibilidade é diferenciada das demais, pelo que gosto de reproduzir os sentimentos em palavras.
Deixo-me tocar, comover, em devoções sem fim, carrego comigo o arco e a flecha da paixão para enobrecer os egos. Por vezes ungido com o suor dos desejos desmedidos, ou travestido num maestro que se deixa embalar pela simplicidade da sinfonia do vocabulário. Quando abro o palco da fantasia à imaginação, recrio fortalezas de prazeres, é como despir o espírito e navegar em águas perfumadas pelas sereias. Os beijos são fusões que acenam ao coração e os olhares, esses continuam sedutores e provocadores.
Sinto o corpo a envelhecer mais depressa que a alma, ela, continua evolutivamente desperta e sem tabus no conhecimento. Sempre transformei as fraquezas em forças para atingir objetivos, um deles é o “prémio” de poder direcionar os humanos para um mundo melhor, mesmo sabendo que é pura ilusão.      
Nesta fusão de recordações e fascinado pelo que o futuro reserva, dedilho as páginas do cardápio do destino com intenção de escolher novos e supremos caminhos.
Não consigo desistir, quero fazer parte de um mundo bastante melhor, pode ser utopia, mas se é, deixem-me pensar com a candura de quando era menino.

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