Feridas que sangram…
Existem linhas que separam entre o bem e o mal, que distanciam a miséria da riqueza, o viver vivo e o viver morto.
Podemos até não ver essa linha, porque na maioria das vezes pura e simplesmente não interessa ver, mas ela existe mesmo sendo abstrata, mas é real nos sentimentos.
O mundo tem crueldades insanáveis como tem doçuras e simplicidades de ternura infindáveis, sempre dependentes da moral e sensibilidade interior de cada ser humano.
Nos momentos da visibilidade fazemos tudo para estar nos palcos cobertos das luzes da ribalta, dos holofotes das vaidades ou nos desfiles de passerelles da vanglória.
Mas na sombra, nas escuridões das quatro paredes muitos vestem os fatos à medida das realidades que castram sonhos, que espetam punhais mortais na vida dos outros, em favor de caprichos e prazeres próprios.
Não nasceste no berço de ouro, mas na manjedoura coberta de palha, numa família arrastada pelas necessidades básicas. Tudo isso e até pela tua candidez de outrora, precipitaram a tua vida para um pântano de sofrimentos.
Foste obrigada a perder a tua infância a troco de umas tigelas de sopa e umas moedas encardidas de subornos de felicidades. Cedo começaste a trabalhar na serventia do senhorial todo poderoso das terras sem fim, todo ele feito de olhares de esguelha na sua superioridade de escárnio.
Não levou umas horas que tuas vestes impostas fossem um vestido transparente sem cuecas, que te fizeram despir toda a tua alma. Não imaginavas sequer o pesadelo torturante que ias sofrer no momento que foste violada na tua virgindade. Nunca mais esqueceste o mais ínfimo pormenor desse dia, a cadeira castradora que deixou teus joelhos pisados, as mãos de ferro que agarraram teu corpo na força do animal do cio insaciável. Criatura infame que te castigou infindavelmente de forma vil em crueldades. Fez de teu corpo um cortejo obsceno em abusos desvirtuantes, que vandalizou impunemente anos a fio o templo de tua alma e que manchou teu corpo de sémen criminoso.
Todos os dias derramavas lagrimas de choros de revolta, memorias cruéis nos silêncios do gelo ardente na dor, como se teu coração fosse a cada minuto trespassado pelo punhal da morte.
Sentiste várias vezes dentro de ti o desejo, a intenção de a sentires de verdade, de soltares as algemas da vida e caíres na morte física profunda.
Anos sem fim nesta amargura do tempo, foste vivendo no teu segredo do sofrimento, nas mãos de sangue e voz do diabo desse crápula monstruoso.
Teu interior de menina pura e singela e de inocências nos sonhos, foi minado em desmoronar de castelos, de palácios em ruínas como se fosse destroços de guerra, uma cruel punição de felicidade.
Hoje, dezenas de anos passados ainda corre no teu rosto rios de lagrimas, a vergonha da nudez refletida no espelho e olhas a vida pelas janelas não de vidro transparente, mas de pedras opacas. A todas as horas passas no chuveiro no banho incurável para tua pele libertar o nojo do nojento, a lama da pocilga do corpo que te violou e mergulhou teu ego numa depressão de pesadelos.
Agora, fora dessa incubadora de abusos, todo o teu interior está invadido por teias de arame farpado, de raivas e ódios que se sentem nesse olhar carregado.
Mas não desistas de viver!
Agarra com todas as tuas forças os sonhos e desejos de uma vida nova, transforma teu futuro na fé e na esperança e vive a vida mesmo sabendo que as tuas feridas nunca irão parar de sangrar.
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