Fome negra...
21 de Março, 2019
Acordei bem cedo neste paraíso feito de jardins da ostentação, tudo construído no requinte do perfecionismo. Até o ar que respiro são perfumes de marca, as roupas essas são todas pomposas nas cores e feitios. Em cada esquina tropeço numa loja com as vitrines recheadas de objetos que brilham à carteira dos cartões dourados.
Mundo formidável nas correrias do consumismo.
Na cadeira sentado debruçado sobre as mesas dos restaurantes, caio nos desperdícios da gula.
No sofá transpiro tranquilidades com os comandos da televisão, enquanto degusto uns prazeres saborosos.
Chego por vezes a perder a realidade em consciências de inconsciente, tudo paradoxos de um felizardo sofisticado.
Mas tive de viajar neste planeta que chamamos mundo, feito de fronteiras fechadas e rasgadas, de ódios e amizades. De cores, raças e religiões bem distintas num mundo tão pequeno e habitado por seres humanos gananciosos que terão uma vida talvez pequena para gastar tudo que têm.
Podemos ser príncipes de criança e reis de adulto, ter casas de sonho, automóveis reais, imaginários e até contas bancas afortunadas.
Mas existe sempre um mas ou um se… O tempo de vida, o limite das nossas linhas que nos diz que não somos nada, mas nada mesmo.
A viagem é longa num avião sofisticado, mas que leva o meu ser a um mundo diferente.
Não tem tons de azul, apenas alicerçado em tons cinzas e negros. Não tem sorrisos de felicidade, apenas espíritos destroçados.
Fico emocionalmente um moribundo com realidades dolorosas, com cenários dantescos dos olhares de naufrágios.
As ruas são decoradas de odores nauseabundos e as pessoas são mortes lentas até nos seus sentimentos porque a alma já não existe.
Acabei de chegar da avareza, da fome de possuir tudo e mergulho na observância da miséria entranhada.
Não são simbologias, são realidades horríveis, que faz desfalecer os sentidos dos mais sensíveis. Vivência dolorosa, olhar para os corpos vandalizados sem carne, só com pele e osso.
Hediondo eu sei.
Mas aqui não existem sonhos nem desejos, não há forças para gritar ou derramar lágrimas e não são rumores, é mesmo o inferno em fúria no vazio dos estômagos.
Tudo que vejo e sinto fica cravado nos meus pensamentos como nódoas negras nas eternas memórias.
Século XXI e África, eu sei.
Mas vou trazer a punição física e mental do outro lado horriplante do mundo.
Por isso dizem que a fome é negra, é morte de tudo.
Não sou moralista, apenas um sensível para além do meu umbigo.
Não estou resignado e canto aos quatro cantos do magnífico Planeta Azul, tudo aquilo que vai na alma pela força das palavras.
Não esqueçam Moçambique, hoje são eles, mas amanhã podemos ser nós!
Vale a pena pensarmos nisto…
Respeite os direitos de autor.
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