A pandemia entrou como uma bala de canhão no íntimo e acordas todas as manhãs com sensações de desfalecimento. Dentro da cabeça a raiz dos pensamentos são sempre asas para sentimentos deprimentes.

Dantes, eras uma mulher cheia de vida, sedente a cada minuto por novos triunfos, a nudez era inspiradora para os olhos masculinos que despiam a transparência apaixonante.

Agora, diariamente, evitas os espelhos, só vês imagens de ti, desfocadas, displicente na vaidade e deixaste a exuberância cair nas ruas da amargura. O rosto descuidado, com as rugas a dispararem no passeio dos tristes, o perfume embalsamado, sem fragância, os cabelos desgrenhados e mal tratados.

Sentes-te uma boneca de porcelana a envelhecer, com o corpo a chamar uma cadeira de rodas para uma morte anunciada pelo desânimo.

Tudo batidas na bigorna do ego e consequências do isolamento pela pandemia. Deixaste de sair de casa, nem sabes se alugaste ou se vendeste a alma e todos os silêncios são estranhos e rasgam.

Hoje acordaste com novas notícias, o fim do estado de emergência, o término da maratona do sofrimento dentro de casa.

Sem medos, sem receios, olha ao espelho, em lingerie, consegues ver vários reflexos do passado, mas tens a vontade voraz de alimentar a esperança no futuro. Sabes que na vida muitas vezes o caçador vira caça e que as melodias sem palavras são poesias insanas de prazeres escondidos. Não queres voar na saudade e com os cinco sentidos a fumegarem raciocínios, vislumbras a exuberância de outrora.   

Os reflexos são múltiplos, espelham até a imponente nudez, sentes na epiderme os arrepios, a pele de galinha e recebes os bafos dos pensamentos impregnados de muitos desejos inacabados.

As lágrimas eram cascatas no rosto, nem tens vontade de chorar como habitualmente, mas sim a ânsia de ouvir os gemidos dos tarados pela excelsitude da tua beleza.

Queres expiar de novo os pecados sem pudores, não teres pingos de vergonha nas loucas fantasias e enfrentar os pelotões de fuzilamento dos machos com os prazeres que enlouquecem.

O brilho nos olhos, o sorriso cativante, a pele a  reluzir, as chamas que tomam conta da alma, os poços de mistério que transbordam, fazem de ti um Fénix pronto a renascer das cinzas.

O espelho demonstra as memórias dos sonhos pela tua intimidade espelhada.

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