Notas musicais...

Notas musicais...

Revivo o passado no teu mundo nesta quadra de amor. Cada praça, cada rua, cada luz na sua cor. Bonito e maravilhoso sentir o calor do natal em cada esquina, feito de bafos de felicidade. Tudo parece um jogo de vaidades na forma eufórica de expor o momento coberto de luxurias. A azafama das prendas carregadas nos sacos e as lojas invadidas pelas carteiras feitas de cartões.
Tudo parece deslumbrante se fecharmos o coração, mas as sombras brilham como uma porção ilusória.
Desvio o trajeto por outras vias e caminho suavemente nas ruas sem luz e fotografo cada momento da noite fria.
Nesta rua estreita e húmida sente-se as trevas da solidão, apenas interrompido no silencio pelo esbater do som.
Atraído pelo fascínio das notas musicais espalhadas pela ventoinha dos prazeres auditivos, sei que não é Chopin, nem muito menos Amadeus. Percorro a calçada e espreito pelo postigo e vejo a carne sagrada de uma mulher imaginária.
Incrédulo pela imaculada figura, fico embebido na porção magica do seu pincelar nas teclas.
A maneira angelical neste deserto divino, mas insubordinada nos movimentos, mostra o quanto é abençoada no romance.
Mas, os olhares são desabafos de lagrimas sangrentas, sinto seu corpo amarfanhado em oscilações emocionais. A suavidade dos dedos nas teclas não demonstra que carrega neles cemitérios de caricias. Pulsos cortados, tatuagens de solidão e alma encardida virada do avesso.
A música deslumbra meus tímpanos, são hinos de ecos de vozes nas prosas eróticas de uma peça de teatro. Por uns instantes, faz imaginar obsessões incontroladas da invasão de seus seios, de sentir o perfume da sua vagina, que faz derreter na boca a saliva dos desejos.
Mas não é o momento.
Sou um poeta de músicas sábias e sei medir o barómetro do amor e ela é uma história de vergonhas.
Não tem luz, não tem céu, nem tem chama, muito menos estrelas.
Seu mundo é a preto e branco e seu coração daltónico.
A melodia obstinada é um diluvio de sentimentos de infelicidade, de viscosidade da miséria, do amor nunca sentido e tudo retratado no bater das teclas.
Chamo por ela, mas o seu clima corporal é de uma estátua surda de desejos e sonhos.
Não tem a necessidade do requinte, talvez nem saiba que é natal.
Nem todos tem manjedouras douradas, nem borboletas de sorrisos.
Abro as pétalas do coração e canto pelo mundo fora as suas notas musicais.

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