Pinceladas abstratas…

Pinceladas abstratas…

Nas marés calmas gosto de mergulhar bem próximo do fundo, ver os peixes de várias cores no contraste com a areia fina e branca.
Nas marés revoltas fico ao longe admirar a força brutal da natureza, em que as ondas engolem tudo aquilo que perderam.
No sofá relaxo pensamentos de coisas passadas e pressentimentos futuros.
No meu planeta azul visto a alma com asas e deixo ela voar sem limites. Em voos rasantes, em voos a pique como uma águia-pesqueira e que faz de mim um ser livre nos pormenores da sensibilidade.
Não gosto da rotina, ela cansa o espírito mesmo do mais bárbaro combatente.
Mas, tem momentos que não sinto o desejo de vociferar palavras, poesias ou prosas nem que sejam de encantar.
Hoje, sinto-me diferente, estranho comigo mesmo.
Um dia de pressentimentos, de sensações e emoções indefinidas. Como se alguma sombra perseguisse os meus desejos que nem eu próprio estou a conseguir definir.
Não é fácil este sentimento de falta de identidade, este vazio de assombros sem pecados.
Apenas sinto uns sussurros do meu ego na necessidade de pintar. Talvez quem sabe encontrar na tela aquilo que o meu coração desguarnecido almeja.
Vou buscar o cavalete, onde coloco a tela de cor crua e pouso ao lado os pincéis.
Apenas trouxe uma cor, o preto, não sei justificar porquê, talvez vozes satânicas do além e deixo-me levar por elas.
Os pincéis mergulham na tela e sarrabiscam a negro, enquanto os meus olhos tentam sentir cada traço. Vejo o escuro da escuridão, a miséria estampada no oculto das pinceladas o que deixa o meu sorriso carvão. Talvez falta de lucidez, ou uma consciência perdida na ausência de coloração.
Fui buscar mais uma cor, confiado na intuição do meu instinto. O azul, que sem perder tempo molho o pincel e rasgo uns riscos nervosos na minha rebeldia luminosa. Talvez tenha exaltado a mestria da arte com espanto, que minha a inquietude busca.
Paro e observo o desvario dos pincéis num equilíbrio de espírito mais perfecionista e sinto a leveza das suas asas. Uma borboleta-azul como se fosse uma célula viva nas linhas esculpidas.
Mas preciso de algo mais com talento extremo, algo que regurgite energias de amante selvagem.
Trago mais cores, pincelo e pincelo como se fossem cascatas de poesias instigadas.
Olho e vejo o arco-íris abraçar as borboletas nos seus voos deslumbrantes e encantadores.
Por momentos, voo com elas, dou um banho corporal com as cores do arco-íris, que deposita no meu corpo e alma os sonhos de provocações e de tentações.
Uma maquilhagem que cobre as cicatrizes da minha dor, a luz que purifica os meus propósitos de vida, aquilo que vive e convive dentro do meu peito...
Amar e ser amado.
Pressinto o tocar dos sinos dos anjos como se fosse um dom divino, mas é real, pois, vejo uma nova cor que aqui cai na paleta e um pincel que ganha vida.
Estupefacto fico a olhar o pincel a correr na tela com linhas rebeldes, com traços mágicos sem parar. Talvez sejam os deuses, talvez os inconscientes desígnios das minhas necessidades que o pincel decalca em cada contorno.
O pincel termina e tudo é surpreendente na tela, que faz o meu corpo tombar atónito no sofá na sua adoração.
O ser sublime, a simplicidade da beleza, a musa das conquistas, a semente do amor.
Mesmo abstrata, és tu mulher…

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