Poltrona vazia...
Tento reencarnar num visionário abstrato, como se, através dum binóculo, fosse possível, assistir à excêntrica venustidade da vastidão galáctica, sentado num asteroide longínquo. Sei que é um exercício utópico, mas com as vestes de poeta filosófico tento reescrever as sensações desse momento empírico. No fundo, é envergando a imensidão como se fosse um extraterrestre a espreitar pela fechadura do espaço e observando o infinito, tentar encontrar algum sinal de vida. Giro o binóculo em círculos, faço várias observações em 360 graus, nas lentes potentes surgem vários planetas multicolores e nessa rotatividade reparo num local inóspito em que existe apenas o preto e branco. É uma área idêntica a uma selva destruída, com a relva queimada, as árvores arrancadas pelas raízes, envolta em redemoinhos de vento e terramotos assustadores. Tudo desmoronado, com as gazelas em fuga, os cães a ganir aos soluços, os gatos de companhia a mastigar urtigas e os macacos à solta a desenterrar depressões. Não existem sementes de amor, talvez tenham sido comidas pelas aves de rapina, famintas de glórias que carregados de vícios de regabofe, devastaram tudo e esmagaram os prazeres com martelos demolidores. Para minha surpresa e espanto, embora não gire em volta do sol, é na realidade o planeta terra. Tem o relógio da vida parado, talvez suspenso pelos sonhos abafados e as mentiras nos sorrisos. Tento observar os comportamentos humanos numa máquina do tempo de modo a analisar pelos sentimentos a sua evolução futura, mas engulo em seco e escuto a alma a falar pedaços de imoralidade de uma sociedade que arde como o inferno. Ouço músicas parvas no ar, oprimidas pelos tambores da guerra, vangloriadas pelos aplausos duvidosos, das vozes roucas e pelas mentiras dos sorrisos. Nos rostos figuram ânsias compulsivas, medos da frustração e as conversas surdas são unicamente virtuais. Sem nexo, até os sonhos da alegria estão envoltos no fogo do purgatório. Alguns, tentam resistir, esvaídos em sangue das lutas, consequências da violência de infância e da pena capital para as mortes anunciadas. Outros, sem escrúpulos, vivem como lapas agarradas ao poder corrupto, nas negociatas em benefício próprio, minando a confiança dos povos e das democracias. Mesmo estando a ver tudo isto de longe, é triste e desolador testemunhar como a vida humana se transformou num cantinho miserável.
Com os olhos em água, a escorrer lágrimas para o matadouro da infelicidade, iluminado pela luz da escuridão, solto um suspiro e um “ufa” profundo de desânimo: Como é possível a inteligência humana não ter amor no coração e transformar o planeta numa poltrona vazia?
Respeita os direitos de autor.