Rascunhar no rascunho…

Rascunhar no rascunho…

O jantar foi demorado, mas em conversas de falas mudas. As bocas num abre e fecha do mastigar, umas mãos nos talheres e as outras nos ecrãs tácteis. Como robôs mecanizados, fazem do momento de lazer os prazeres dos vícios modernos. A linguagem é virtual, mesmo com vários personagens na mesa redonda. O empregado fala aos tímpanos abertos de surdez. Os cafés foram para todos, treze no total, nesta ceia cruel de palavras enclausuradas em temas não existentes do vazio. Não consegui partilhar as minhas tristezas muito menos as alegrias. O convívio todo feito num jogo de almas solitárias. Não sou assim, sou coração aberto em gargalhadas e partilhas de sorrisos. Não consigo ser coisa nenhuma, mas sim coisa de tudo. Pego no guardanapo, a verdadeira companhia desde que me sentei. É com ele que converso, que partilho minha boca entre cada garfada silenciosa e a taça de vinho. Brindo sozinho na minha mente a tudo que reluz nos meus pensamentos. Não estou ali, apenas fisicamente. Eu e tu meu amigo guardanapo, numa relação confidente. És o meu rascunho dos sentidos na ponta afiada do lápis. Rascunho de rascunhadas do lápis de carvão, não nos pomposos ecrãs de polegadas de vaidades. Doze escreveram a mudez para o alem, eu escrevi em ti as minhas visões. Meu querido guardanapo vieste comigo no bolso, pois carregas vários traços de vida. Alguns dolorosos, mas muitos feitos de coisas únicas e histórias infinitas. Mas hoje ainda olho para ti e vejo os corpos aprisionados em arames farpados. As dores das bocas das solidões que nos impomos em grupo numa sociedade global. Construímos a humanidade futura, mas de corpos frios e gelados. De corações que apenas batem para sobreviver, enquanto o meu bate para amar.

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