Rascunhos do poeta...

Rascunhos do poeta...

Sinto um vazio temporal dentro de mim, tento não perder a serenidade, mesmo sentindo que os pensamentos andam compulsivos e perdidos numa hélice giratória. Sempre gostei de libertar a imaginação, deixá-la dançar nas asas da ilusão e desejar novas encomendas explosivas de prazeres.
A noite cai, apenas na companhia do silêncio das estrelas brilhantes e decidido vou vasculhar o escritório poeirento do sótão. Faz tempo que aqui não vinha é onde guardo todas as memórias físicas e psíquicas do passado. A secretária em carvalho continua intacta, os livros velhos, estão comidos pelos bichos da traça, o relógio parou no tempo e o pincel tem os pelos completamente ressequidos. Trouxe comigo apenas uma maça, gosto da sua cor, vermelha e amo incorporar a sua simbologia de perversão na minha criatividade pecante. Tantos manuscritos, com a tinta a desvanecer, mas onde as palavras estão guardadas para sempre na memória, elas fazem parte integrante da minha vida. Folheio, dou uma vista de olhos superficial pelas folhas descoloradas e que, outrora, eram de uma brancura pura. Ler, o que escrevi, é como refrescar ares de amores antigos, vejo espelhados em cada sílaba os anseios de menino, cheios de regozijo e de sonhos. Também estão aqui poesias de morte, carências mórbidas da fome de cão dos tempos que ladrava até a garganta ficar seca e desfalecia em abismos negativistas. Sempre escrevi escutando a alma, com os sentimentos iluminados pelos holofotes da paixão, deixava-me voar nas asas femininas e assim conseguia, na fase da adolescência, libertar da mente maliciosa, os fétiches. Os rascunhos estão velhos, embora contenham o perfume da epiderme das deusas e revejo na memória as fotos a preto e branco, com o dom de as converter em fotos a cores. Tudo cheira a passado, até as expressões de carinho, são ideias luminosas para relembrar as confissões pecadoras, as luxúrias nos jardins misteriosos, abraçado pelas fêmeas. Cada uma era um poço de inspiração, um ingrediente especial que sufocava a minha loucura e que me levava a voar, deixando-me muitas vezes sem palavras. Passaram décadas e ainda aqui estou, nostálgico, poetizando, a abrir o íntimo com as chaves do coração e mostrando a transparência deste anjo encantado pelo ser apaixonante, a mulher.
Nestas datas desencontradas, num duelo desequilibrado, ainda grito com as fauces dum pobre apaixonado e viajo com sorrisos pelos rascunhos do poeta.

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