Relógio do amor...

Relógio do amor...

O tempo voou, decorreram decénios, mas ainda me lembro bem dos nossos rostos corados. Era um pestinha à solta e tu uma menina com fortes tiques da timidez, próprios dos tempos em que não sabíamos como lidar com os gestos de enamorados.
Andava cego pelo coração, o amor por ti era um bichinho roedor, chegava a corroer as unhas e falava ao espelho com gaguez a ver se ganhava coragem. Quando estava contigo, ficava com a sensação que não tinha língua e os gritos que ecoavam no peito eram urros de gorilas apaixonados na selva.
A tua boquinha doce, as pernas franzinas, os cabelos com trancinhas, o olhar delicado e que alimentava a minha fantasia para beijos imaginários.
Ainda lembro a ilusão dos pensamentos atrevidos, em que as sombras eram a tua nudeza e que invadiam as minhas insónias, deixando-me descontrolado pela excitação. Tempos da inocência que se morria de amor sem termos a coragem de nos assumirmos.
Os colegas, nos intervalos das aulas, parece que liam os sinais e incentivavam constantemente com piropos inofensivos, mas que deixavam o rosto pigmentado de vergonha.
Uma luta para vencer a coragem deste traquinas irrequieto, mas que nos primórdios da descoberta do amor se sentia algemado pelo acanhamento.
Nunca mais vou esquecer o dia que fomos os dois admirar o mar, parece que estávamos num cenário abstrato e que nos abriu os horizontes para podermos navegar nos sonhos.
Caímos na areia fina em brincadeiras, soltamos gargalhadas tolhidas pelo embaraço e num impulso nervoso colamos os lábios. Foi o destrancar do cadeado, a luz que iluminou os labirintos sombrios e acabamos por regressar à escola de mãos dadas.
Sofremos a chacota dos amigos, até uns olhares reprovadores dos professores e auxiliares e que hoje porventura chamaríamos “bullying”.
Superamos, assumimos o namoro e as pessoas acabaram por se habituar naturalmente ao único “casalinho” do liceu.
Ganhamos confiança e comigo, sempre um aventureiro pró-ativo na arte de seduzir-te para excitantes capítulos, reinventei na nossa intimidade períodos em que vestimos a pele da cascavel e chegamos a comer o bicho da maçã (pecado).
Infelizmente a nossa intimidade sexual, foi descoberta da pior forma por amigos dos teus pais, uma blasfémia para uma época atrasada nas mentalidades, uma desonra para a família e que vos compeliu a mudar de cidade.
Não havia redes sociais, não existiam telemóveis, nem a facilidade de comunicação como atualmente e deu origem à nossa separação.
Decorridas décadas, acabamos por nos encontrar, reconhecemo-nos pelo brilho dos olhares e pelo pulsar incondicional dos íntimos.
Mais velhos, tomamos um café recordando os tempos hipnotizantes, narrando as nossas histórias, mas que pelas nossas vidas individuais já definidas, não é mais possível inverter o relógio do amor.  

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