Fique em casa...

Fique em casa...

A linguagem é quase universal nos termos usados, pelas circunstâncias atuais, no confinamento desta guerra viral. Termos que as gerações atuais, nunca ouviram e muito menos sentiram, como: estado de guerra, emergência nacional e restrições de liberdades.
Teríamos de recuar na história, cerca de cem anos, para encontrar algo de semelhante, período com consequências dantescas e difíceis de qualificar por palavras. Estavam lá os nossos avós, bisavós e muitos sucumbiram nesse flagelo dramático, a gripe espanhola.
Hoje, com meios altamente sofisticados ao nível de tratamentos médicos, científicos, de conhecimento global, o que mais se ouve é pedirem para ficar em casa, talvez a melhor vacina para a covid-19, o isolamento social.
Nas batalhas existem sempre os peões na fila da frente, os primeiros atacarem, mas também os principais sujeitos a morrerem e numa ironia do destino agora não são militares, mas profissionais de saúde, que também pedem para não sairmos das nossas residências.
Egoístas, até nas solidões, com as janelas como montras para matar saudades através dos meios virtuais, queixámo-nos do sacrifício de ficar sem liberdades, presos nos aposentos e alguns ainda tentam contornar regras. Pensamos que a vida é enfadonha, que perdemos tudo nos sofrimentos subjetivos, quando existem seres humanos famintos por poeiras de areia nos desertos e quando possuímos o oásis.
Moram sem portas da ilusão, em pedras geladas da calçada, contaminados de carências afetuosas, olhares escanzelados, cabelos despenteados, barbas farfalhudas, corações lacrados para a esperança e vivem na rua com os esqueletos gelados.
Fiquem em casa! Nós ou os que não tem teto?
Nas sepulturas da mente, com casulos recheados de tudo do nosso quotidiano, temos de saber escutar não os nossos umbigos, mas os gritos silenciosos das almas espremidas, a pedirem ajuda e esses vivem na ilusória felicidade, nas solidões reais. Para eles, os dias são quimeras de demónios, as noites, sonos no tronco dos castigos a roçar chicotadas pelo frio e fome do inferno.
Não podemos deixar varrer os sentimentos do amor, limpar os pensamentos e esquecer os que tem os sonhos acorrentados nas masmorras do sofrimento, como esculturas fantasmagóricas, os sem-abrigo.
Discutíamos a eutanásia, agora lutamos pela vida, desejávamos o imaterial, enquanto desperdiçávamos o sentimental e acabamos a suplicar por um abraço verídico.
Devemos dar graças por sermos abençoados e só pedirem: Fique em casa…
 
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