Ponderação da razão...

Ponderação da razão...

Às vezes apetecia-me escrever cobras e lagartos, soltar as flamejantes labaredas que se envolvem na alma. Tenho momentos que as batalhas entre a emocionalidade do corpo, se gladiam com a sensibilidade da alma e quando isso acontece, dentro de mim, sinto uma erupção de inconformismos e só mesmo recorrendo à razão consigo acalmar o íntimo. Estou nesses dias, acordei como um cão raivoso, mas, ao mesmo tempo, dócil e carinhoso como um golfinho. É nesta envolvência de domador da matilha que ladra aos ouvidos dos crápulas e os sons sociais dos golfinhos, que assobio aos iluminados.
Aqui estou sentado, no sexagésimo segundo andar, quase no cimo das nuvens, apreciar ao longe esta sociedade que se esgana e afoga em desvarios e fúteis loucuras. 
Tento assobiar bem longe através da enorme vidraça, mas apenas recebo os ecos dos próprios gritos de consternação desta humanidade insensível que se come reciprocamente como abutres. Nem deixam sobras das carcaças dos devorados pela malvadez, que num ápice comem-nos literalmente vivos e sem piedade nem misericórdia.
Preciso de pensar e refletir para não entrar nesta espiral de perturbações.
A velhice pode ser um defeito, quanto mais não seja pela falta das faculdades de outrora, mas o coração, esse ainda bate forte, o espírito tem noção de tudo o que me rodeia, o corpo, como sinal de vitalidade, também respira desejos, a alma, essa cada vez mais se comove com as injustiças e o cérebro continua vivamente pensante.
Também mudei, tenho noção disso, mas a humanização essa apodrece rapidamente todos os dias. Gradualmente se confundem os valores pilares de uma sociedade justa, em harmonia, em partilha comum, até chegar o momento em que seremos sugados pelo abismo. Uma sociedade perigosamente mais divisionista e extremada, onde um olhar sedutor, é assédio, em que a liberdade de expressão se mistura com insultos, onde elogiar, se converte em faltas de respeito e muitos outros adjetivos dissimulados de labaredas venenosas, que facilmente se espalham pelas bocas daqueles que deveriam ter contenção e serem o exemplo da honradez.
Cresci num ninho de carinhos, com olhares de ternura, com abraços afetuosos, com corações a transbordar de amor, onde errar era humano e pedir desculpa, um sinal nobre, de humildade.
Quando os amores se esvaem em ódios e a compaixão na indiferença, todos temos de apelar à pureza do sentimento, à ponderação da razão.

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