Romarias vazias...
11 de Agosto, 2020
As detonações dos foguetes no ar são o primeiro sinal, para os Zés Pereiras irromperem pelas ruas com o estrondo dos bombos, ovacionados pelos aplausos efusivos e os olhares esbugalhados dos festivaleiros.
As bandas filarmónicas com os seus mil instrumentos liberam sons que fazem esvoaçar os pássaros assustados pela praça, as concertinas dão o que de mais tradicional temos com as gargantas esganadas bem altas nos cantares ao desafio.
A multidão atropela-se numa amontoada histeria de incentivos aos grupos de bombos que rufam batidas que estremecem o coração. Batem nos bombos sem parar, cada um, tenta abafar o som do seu parceiro, o suor a pingar em bica, as mãos rasgam-se em bolhas nos salpicos de sangue, os chapéus esvoaçam, mas não param debaixo do calor tórrido de agosto.
A miudagem em gritaria mistura-se perdida na dança desengonçada com os gigantones e cabeçudos, é o delírio e o fascínio das máquinas fotográficas a disparar sem fim.
Os sorrisos, os cânticos, as mulheres bonitas do Minho, com os seus trajes regionais, desfilam com a burguesia do ouro ao peito das famílias seculares.
Os anjinhos, os romanos, o simbolismo do Cristo com a cruz às costas, os andores cristãos decorados com milhares de flores perfumadas, ladeados pelas gentes humildes e mui nobres do mar a desfilar pela calçada. A procissão, com o Cristianismo personificado no esplendor dos rostos do clérigo, a veneração de um povo Lusitano e o deslumbramento dos presentes.
Os trompetes a tocar, dão-se vivas ao rei com os cavalos a conquistarem as avenidas, os foliões a contagiar os milhares de forasteiros, os admiráveis trajes, os usos e costumes, com os figurantes a envergarem as vestes da história de uma nação valente e imortal.
A noite cai, a iluminação acende os corações, o brilho espelha nas íris, as bandas, as concertinas, os grupos folclóricos esganiçam as vozes roucas acaloradas pela cerveja.
Os tapetes embelezam as ruas decoradas por gente que não dorme, que se esmera na graciosidade das suas puras almas.
Os carrinhos, os carrosséis, os aviõezinhos, as músicas altas das instalações sonoras, os rodopios nas diversões volitam os cabelos dos mais aventureiros e os arrepios no comboio fantasma, em mais uma corrida mais uma viagem.
O cheiro das farturas, das bifanas, os canecos de vinho a brindar, os jogos de matraquilhos que fervilham em mais um dérbi que ninguém quer perder.
Meia-noite, o céu cobre-se de cor, luz e explosão. É o fogo de artifício, cada estrondo mais forte que o anterior e que por momentos consegue resplandecer mais do que as estrelas, compassado pelos “ais” e “uis” de quem assiste ao luar.
Contagiante a euforia e alegria, uma roda-viva destes povos castiços do norte, que alegram multidões desde o tempo dos nossos egrégios avós.
Este ano tudo é diferente e nem assim deixamos de ser uma nação valente, mesmo neste silêncio dos espaços abarrotados pela solidão das romarias vazias.
Respeite os direitos de autor.
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