Sinto-me a marcar passo em cima dum relógio parado e não é fácil gerir esta caça aos fantasmas invisíveis. Não sou lobisomem de viver dentro de uma jaula e ver ao espelho o rosto cada vez mais envelhecido. Aqui estou confinado, sentado na cadeira de vícios a escrever um novo livro, “Utopias eróticas do Criador”, mas até a escrita por vezes é combustível que não arde.

Preciso dos amores desencontrados, ando faminto de carinhos, de sentir os aromas de fogo a correrem nas veias e só vejo sombras das vozes do diabo nas paredes.

Tantos porquês se enroscam na alma cada vez mais retalhada e múltiplas são as tristezas que invadem os pensamentos.

Revejo as memórias passadas na ânsia de ver somente o futuro, tenho essa necessidade de acelerar o tempo, sentir tudo o que está para além e ultrapassar esta pandemia.

Bebo uma bebida espiritual e como um gavião com asas na imaginação, começo a pintar as paredes escuras da sala. Uso os pincéis com pelos impregnados dos beijos da nossa privacidade, as tintas de prosas da saliva e dou corda ao relógio analógico para a fantasia viajar em liberdade.

Por arte mágica trespasso a parede para outra dimensão e em cada esquina surge o inesperado.

Do nada, sinto abraços que beijam, numa dicotomia dançante ao som das melodias dos raios de sol. Cidades feitas de luz, um teatro aberto aos sonhos da felicidade, os céus com nuvens a cores e onde os silêncios apenas falam de amor. Ouço cânticos de sorrisos, vem das ondas das marés que refletem os rostos felizes das estrelas brilhantes, a navegar em caravelas com as velas em forma de coração. Os jardins encantam com flores comestíveis, um paraíso perfeito para traficar amores e tocar arrebate os sinos da paixão. As zoadas de vento transpiram tranquilidade e sopram a favor das caravanas da paz.

Sento-me num baloiço e do nada surge um jardineiro, ainda tento falar com ele, não ouve nada do que digo e antes de desaparecer, sussurra ao ouvido:

- Ando a lançar palavras à chuva, a semear sementes de fé e esperança para aqueles que julgam terem perdido as forças, só assim poderão ser felizes e viajarem na fantasia.

Respeita os direitos de autor